09 março 2013

Figurante da própria história


Achei aquele meu caderno em cima do meu armário, ele estava empoeirado veio naquela época em que eu era a esquisita da sala. E também, quando eu ainda não sorria nas fotos e passava lápis de olho pra tentar parecer uma pessoa que eu não era. Eu tinha uns onze ou treze anos quando escrevi tudo aquilo que eu sentia sobre um garoto chamado Lucas. Eu não o conhecia direito, ele frequentava minha rua. Nós nos conhecemos e conversávamos pouco. Ele fazia piada de mim na frente dos colegas, eu não gostava, mas sorria pra disfarça a dor. Ele me humilhava, eu era boba, gostava daquele garoto que nunca me deu à mínima.

 Um dia eu resolvi escrever uma carta de amor. Daquelas cheias de corações, canetas coloridas, borrifadas de perfume e envelope roubado da árvore de natal. Escrevi sobre o amor – o que eu sabia sobre o amor? Nada. Ou da maneira, mas fútil: “Do fundo do meu coração”.   Por falta de coragem, não assinei meu nome. Supus que ele adivinharia. Ingênua, não?!

 Pedi pra uma pessoa entregar o cartão. Depois ele me cutucou, e disse que tinha algo pra contar. Naquele instante meu coração não aguentou– pela primeira vez, ou por ironia do destino – eu senti como se o chão não existisse. Flutuei durante um bom tempo. Esqueci-me de tudo e de todos.

No outro dia ele veio em minha direção. Com um olhar de quem revelaria um segredo, ele me fez prometer que jamais contaria pra ninguém. Eu prometi.

Ele me disse sobre a carta, e também sobre a garota que tinha escrito: Uma garota chamada Larissa. Não Micaella, nem Mica, Larissa. A garota da casa do lado que eu conversava, e considerava amiga. Ela é bonita, da altura dele e tinha o cabelo longo.

Não tive a coragem de disser que a garota que escreveu a carta era eu. Deixei minhas palavras falarem por alguém que não era eu. E funcionou dois ou três anos depois eles começaram a namorar.  Eu já não sentia nada por ele e aquele amor de uma garota de doze anos, sumia foi pra algum lugar que eu não sei. E eu nem conversava tanto com ela. Mas quando eu via os dois, meu coração ficava apertado, era estranho. Aquela história era pra ser minha. Era pra eu ser a protagonista e não a figurante.

Aquilo aconteceu pela primeira vez. Mas depois eu sei que vão surgir outros Lucas e outras Larissas. Tenho quase trinta, e ainda sinto como se tudo que eu escrevo funcione como uma ponte entre outras pessoas. Onde pessoas sabem de outras pessoas. Mas nessa história, eu não existo. Ninguém me enxerga. Sou invisível. E como se eu fosse uma pessoa contratada pra ser só, mas um no cenário. Todos sabem dos meus sentimentos, mas ninguém sabe que são meus e pra quem ele é.
Cansei de ser a figurante.

Quero um papel principal, quero ser a protagonista, alguém quer escrever minha história? Sou boa atriz, sei fingir sobre meus sentimentos e meus personagens são bem treinados.

Micaella Benevides.

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