Achei aquele meu caderno em cima do meu armário, ele estava
empoeirado veio naquela época em que eu era a esquisita da sala. E também, quando
eu ainda não sorria nas fotos e passava lápis de olho pra tentar parecer uma
pessoa que eu não era. Eu tinha uns onze ou treze anos quando escrevi tudo
aquilo que eu sentia sobre um garoto chamado Lucas. Eu não o conhecia direito,
ele frequentava minha rua. Nós nos conhecemos e conversávamos pouco. Ele fazia
piada de mim na frente dos colegas, eu não gostava, mas sorria pra disfarça a
dor. Ele me humilhava, eu era boba, gostava daquele garoto que nunca me deu à
mínima.
Um dia eu resolvi
escrever uma carta de amor. Daquelas cheias de corações, canetas coloridas,
borrifadas de perfume e envelope roubado da árvore de natal. Escrevi sobre o
amor – o que eu sabia sobre o amor? Nada. Ou da maneira, mas fútil: “Do fundo
do meu coração”. Por falta de coragem,
não assinei meu nome. Supus que ele adivinharia. Ingênua, não?!
Pedi pra uma pessoa entregar
o cartão. Depois ele me cutucou, e disse que tinha algo pra contar. Naquele
instante meu coração não aguentou– pela primeira vez, ou por ironia do destino
– eu senti como se o chão não existisse. Flutuei durante um bom tempo. Esqueci-me
de tudo e de todos.
No outro dia ele veio em minha direção. Com um olhar de quem
revelaria um segredo, ele me fez prometer que jamais contaria pra ninguém. Eu
prometi.
Ele me disse sobre a carta, e também sobre a garota que tinha
escrito: Uma garota chamada Larissa. Não Micaella, nem Mica, Larissa. A garota
da casa do lado que eu conversava, e considerava amiga. Ela é bonita, da altura
dele e tinha o cabelo longo.
Não tive a coragem de disser que a garota que escreveu a
carta era eu. Deixei minhas palavras falarem por alguém que não era eu. E funcionou
dois ou três anos depois eles começaram a namorar. Eu já não sentia nada por ele e aquele amor
de uma garota de doze anos, sumia foi pra algum lugar que eu não sei. E eu nem
conversava tanto com ela. Mas quando eu via os dois, meu coração ficava
apertado, era estranho. Aquela história era pra ser minha. Era pra eu ser a
protagonista e não a figurante.
Aquilo aconteceu pela primeira vez. Mas depois eu sei que
vão surgir outros Lucas e outras Larissas. Tenho quase trinta, e ainda sinto
como se tudo que eu escrevo funcione como uma ponte entre outras pessoas. Onde
pessoas sabem de outras pessoas. Mas nessa história, eu não existo. Ninguém me enxerga.
Sou invisível. E como se eu fosse uma pessoa contratada pra ser só, mas um no
cenário. Todos sabem dos meus sentimentos, mas ninguém sabe que são meus e pra
quem ele é.
Cansei de ser a figurante.
Quero um papel principal, quero ser a protagonista, alguém
quer escrever minha história? Sou boa atriz, sei fingir sobre meus sentimentos
e meus personagens são bem treinados.
Micaella
Benevides.
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